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terça-feira, 22 de março de 2011

Um dos 28 casos no mundo, garoto de 9 anos sofre com envelhecimento precoce


Pele enrugada, problemas motores e atraso cognitivo são alguns dos sintomas da doença gênica que acomete garoto mineiro de 9 anos, um dos 28 casos registrados no mundo


Belo Horizonte — Em Itaguara, cidade da região central de Minas Gerais, a 100km de Belo Horizonte, uma doença rara desafia a ciência. Desde os primeiros meses de vida do garoto Eduardo Júnior Silveira, hoje com 9 anos, seus pais buscam, incansavelmente, na medicina, tratamento para reverter o quadro de envelhecimento precoce que atinge a criança. Mas a pele fina e enrugada, a dificuldade para andar, o baixo peso, os problemas na dicção e o atraso cognitivo são sintomas que ainda não têm solução médica. Diagnosticado como portador da síndrome de Wiedemann-Rautenstrauch, o caso de Eduardo é um dos 28 já registrados no mundo.
“As bases genéticas da doença ainda não são conhecidas e, por isso, não há cura, nem mesmo tratamento”, explica a geneticista pediátrica e membro do serviço de genética do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC/UFMG), Letícia Lima Leão. A médica é responsável pelo diagnóstico da doença de Eduardo, o único registrado nos 25 anos do serviço de genética do HC.

Também chamada de progeroide neonatal, a síndrome de Wiedemann-Rautenstrauch é classificada, segundo Letícia, como uma doença gênica com padrão de herança autossômico recessivo. Nesse caso, não há anormalidade nos cromossomos — estruturas localizadas no núcleo celular responsáveis por carregar toda a informação genética que as células necessitam para crescimento, desenvolvimento e reprodução e que determinam, entre outras coisas, a cor dos olhos, da pele, dos cabelos e da estatura. No entanto, quando os genes que compõem esses cromossomos apresentam alterações, podem ocorrer mutações genéticas. Nos casos em que o padrão de herança é recessivo, é preciso que a mutação ocorra nos dois genes oriundos do pai e da mãe (veja arte).

“Os pais não desenvolvem a doença, mas são portadores da síndrome em sua carga genética. A cada gravidez, eles têm um risco de 25% de ter uma criança com a doença novamente”, explica a médica. Ainda segundo ela, não é possível prever o tempo de vida desses pacientes.

Presidente da Sociedade Brasileira de Genética Médica, o geneticista pediatra Marcial Francis Galera confirma a dificuldade de tratar a doença. “É uma síndrome extremamente rara, que faz parte de um grupo de doenças que provocam envelhecimento precoce e ainda não têm cura nem medicação específica. Nesses casos, o prioritário é a manutenção dos cuidados com a saúde da criança, como proteção à pele, boa alimentação e higiene pessoal”, afirma.

“Mesmo já tendo ouvido de especialistas do Hospital das Clínicas de São Paulo, da Universidade Estadual de Campinas, e de vários médicos de Belo Horizonte que não há cura para o caso do Eduardo, não perdemos a esperança. Queremos nos aprofundar no assunto para descobrir se ele é mesmo portador dessa síndrome ou se existe tratamento em algum lugar do mundo. Vamos correr atrás sempre. Queremos zelar pela saúde dele. Se deixarmos de lado, pode ser tarde”, diz o pai do garoto, o auxiliar de serviços gerais José Júnior Silveira, 55 anos.

A rotina de Eduardo é cercada de cuidados dos pais, que seguem as orientações dos diversos especialistas já procurados pela família para garantir qualidade de vida ao menino. “Ele tem uma rotina de vida normal. Não tem outras doenças e é ativo, sorridente e participativo. Levanta às 6h e vai à Apae, onde participa de oficinas. À tarde, estuda o primeiro ano na escolinha. Mas devido às limitações físicas, não consegue andar direito e temos de ajudá-lo. Sempre que sai também precisa usar fralda”, conta José Silveira.

No SUS
Especialidade recente na medicina, a genética foi instituída na rede pública de saúde em 21 de janeiro de 2009, por meio da Portaria nº 81/09 do Ministério da Saúde, mas, na prática, a oferta do serviço ainda esbarra na falta de uma portaria definitiva que regulamentará o funcionamento do serviço no Sistema Único de Saúde (SUS). “A medida determina que a genética seja oferecida no SUS, mas ainda é preciso montar serviços de referência, além de capacitar e de contratar profissionais para orientar e dar suporte aos pacientes”, afirma o geneticista pediatra Marcial Galera.

A falta de uma providência, de acordo com a médica Letícia Leão, gera entraves no atendimento. “Hoje, temos 6 mil famílias sendo atendidas no serviço de genética do Hospital das Clínicas da UFMG, que é o único credenciado em Minas Gerais para esse tipo de atendimento. Muitas pessoas do interior e até mesmo de Belo Horizonte desistem de buscar tratamento diante da dificuldade de conseguir uma vaga”, explica. As consultas, segundo Letícia, são marcadas a cada três meses. “O primeiro atendimento é demorado. Dura cerca de duas horas. É preciso conhecer a história do paciente, construir uma árvore genealógica com pelo menos três gerações. Quando as vagas são abertas, elas se encerram imediatamente”, acrescenta, informando que há apenas cerca de 15 geneticistas na capital mineira e menos de 200 no Brasil.
O Ministério da Saúde, órgão responsável pela definição das diretrizes da assistência, informa que a execução da prestação dos serviços e do atendimento à população é responsabilidade direta dos gestores locais de saúde, que são os estados e os municípios. “Cabe às secretarias estaduais e municipais definirem sua rede de serviços e assistência à população”, sustenta o órgão.

Síndrome de Wiedemann-Rautenstrauch

O que é?
» Também chamada de progeroide neonatal, é uma síndrome extremamente rara, cujo padrão de herança é autossômico recessivo (somente há a manifestação da síndrome se o indivíduo receber as duas cópias alteradas do gene, que vêm do pai e da mãe).

Sintomas
» Caracteriza-se por características progeroides (de envelhecimento) desde o nascimento, com múltiplas anomalias, como deformidades cranianas e faciais; nariz em forma de “bico” e que se torna mais pronunciado com o avançar da idade; cabelos, cílios e sobrancelhas esparsos e baixo peso. Os doentes apresentam pouco tecido gorduroso no subcutâneo, o que dá à pele um aspecto frágil, fino e enrugado.
Probabilidade de ocorrência

» Como é uma síndrome que apresenta padrão de herança autossômico recessivo, os pais têm um risco de 25% de ter uma outra criança com a doença a cada nova gravidez.

Doenças genéticas

Cromossômicas
» Ocorrem devido a alterações na estrutura dos cromossomos, como perda cromossômica, aumento do número de cromossomos ou translocações cromossômicas. A trissomia 21 ou síndrome de Down é um transtorno frequente, que ocorre quando uma pessoa tem três cópias do cromossomo 21.

Doenças multifatoriais ou poligênicas
» Conjunto de doenças hereditárias produzidas pela combinação de múltiplos fatores ambientais e mutações em vários genes, geralmente de diferentes cromossomos. As doenças crônicas mais frequentes, como hipertensão arterial, Alzheimer, diabetes melito, obesidade e vários tipos de câncer são multifatoriais.

Gênicas
» São doenças desencadeadas quando os cromossomos são normais, mas há alterações/mutações nos genes. Elas podem ser autossômicas recessivas ou dominantes.
»    Recessiva – para que a doença se manifeste, é necessário que haja duas cópias do gene mutado no genoma da pessoa afetada, cujos pais normalmente não manifestam a doença, mas portam cada um uma cópia do gene mutado. A probabilidade de ter um filho afetado por uma doença autossômica recessiva entre duas pessoas portadoras de uma só cópia do gene mutado (que não manifestam a doença) é de 25%.   

»    Dominante – para que a doença seja desenvolvida, é preciso apenas uma cópia mutada do gene. Normalmente um dos dois pais de uma pessoa afetada manifesta o mal e esses progenitores têm 50% de probabilidade de transmitir o gene mutado a seu descendente, que desenvolverá a síndrome.
Valquiria Lopes - Correio Braziliense





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